sábado, 4 de julho de 2015

O nosso testemunho e o milagre

"A Igreja deve servir Jesus nas pessoas marginalizadas, abandonadas, sem fé, decepcionadas com a Igreja, prisioneira do próprio egoísmo. Sair significa ainda ‘rejeitar a autorreferencialidade’ em todas as suas formas; saber ouvir e aprender de todos, com sinceridade humilde”. Estas são palavras do Papa Francisco e me fazem meditar muito.

Muitas são as famílias que se sentem à margem do Amor de Deus, muitas são as famílias que não encontram o seu lugar na Igreja e se sentem decepcionadas, sem fé, muitas vezes julgadas pelos que estão dentro da Igreja pelo seu passado...

Estaremos nós a saber acolher as famílias que se sentem à margem nas nossas comunidades levando-lhes o Amor de Deus ou simplesmente acomodamo-nos e pensamos: " Esta família é um caso perdido! Nem vale a pena tentar falar de Deus..."?
Ora, oiçam bem o nosso testemunho:
Mal soube de uma ou outra família que estaria interessada em participar nos nossos encontros de famílias em Proença fui logo sem demora falar com elas e abrir o meu coração. Queria ver os seus rostos, perceber o que estavam a viver, as suas dificuldades. Desejava também que elas ouvissem a minha voz e sentissem o meu entusiasmo e desejo de caminharmos juntos... Ao expor a proposta dos encontros, todas estavam entusiasmadas para começar.
Os encontros começaram e uma das famílias não apareceu nem no primeiro , nem no nosso segundo encontro.  Na hora do lanche partilhado, do segundo encontro, enquanto estávamos todos  a comer, houve uns instantes de silêncio e eu fui impelida a falar, quer desejasse quer não. Olhei nos olhos de duas mães e comecei assim a conversa do nada:

- " Eu sei que vocês olham para mim como se fosse perfeita a  nossa família! Não é verdade! Nós não somos tão virtuosos ou fomos tão virtuosos como vocês pensam! Vocês pensam que eu estou à vontade para falar, mas não é verdade. Quem me conhece sabe que sou bastante reservada e até tímida. Já ofendemos muito o Senhor! A nossa família também é fruto da misericórdia e do perdão de Deus! Tanto eu como o Serge andámos muito tempo afastados da Igreja e apesar de buscarmos o amor de Deus em tudo, andámos muito longe dos sacramentos e dos mandamentos de Deus. A nossa família começou assim: eu o Serge conhecemo-nos num encontro no Alentejo no qual se abordava muitos assuntos diversos como a educação, agricultura biológica, entre outros. Quando começámos a falar, era impressionante a quantidade de coisas que tínhamos em comum e dos nossos desejos para o futuro. Desejávamos formar uma família com valores, viver as coisas simples da vida e servirmos os outros. A Igreja não fazia parte das nossas vivências mais profundas, apesar de Deus estar sempre presente. A sintonia foi tão forte do nosso encontro que o nosso namoro, amizade começou logo ali. Ao falar com a minha amiga que tinha vindo comigo para aquele encontro disse-lhe: " Desculpa, já não vou voltar contigo para Lisboa. Encontrei alguém muito especial..." Sim, eu sei que sou um pouco maluca mas aconteceu mesmo assim. Nem passado um mês de conhecer o Serge fiquei grávida do Gabriel. Não tínhamos planeado que fosse assim, mas ficámos ambos muito felizes! Sentíamos um amor muito grande um pelo outro. Naquele mesmo dia, falámos com os meus pais e os pais do Serge e decidimos casar pela Igreja, não com a convicção do sacramento em si, mas sim porque queríamos ter a benção de Deus e reunir a família dos dois lados. Quando estava grávida de três meses do Gabriel, casámos e foi uma cerimonia muito bela e muitas graças foram derramadas sobre nós. Só mais tarde saberíamos o quanto! A nossa família não começou da maneira perfeita, mas o senhor não desistiu de nós! Mostrou-nos os nossos erros e nos deu força para caminhar! Acham que Deus nos ama menos ou mais pelo nosso passado em relação àqueles que fizeram toda a caminhada dentro da Igreja? Deus ama-nos da mesma forma e com a mesma intensidade. Deus ama todas as famílias da mesma maneira. O que fariam se ouvissem esta história e não soubessem que era a nossa?"...



 Depois de falar senti que um peso tinha saído do ar que respirávamos e os seus rostos ficaram luminosos e cúmplices com o meu. Afinal, todos temos coisas para contar em que ofendemos a Deus, o que importa é o que vivemos no momento presente, o que importa é a intensidade do amor que trazemos no coração para dar a Deus. O Senhor ao ver o nosso arrependimento apaga as nossas faltas e sem demora traz-nos uma túnica que coloca nos nossos ombros e no dedo um anel e diz: " Tu és o meu filho muito Amado!"

O milagre estava para acontecer no encontro seguinte das famílias.
No terceiro encontro, o meu coração encheu-se de alegria pela família que nunca tinha aparecido e emocionada partilhou que lhe tinham contado o nosso testemunho e que por causa dele estava ali. Tinha medo dos julgamentos e não sentia que podia fazer parte desta caminhada connosco.

O meu coração se encheu de amor e repeti várias vezes: " Tu és muito amada! O senhor te ama muito e o teu lugar é aqui!"

Que nenhuma família se sinta envergonhada com o seu passado! O Senhor quer recolher todas as famílias que se sentem à margem, fora dos modelos perfeitos. Há um grande exército de famílias que estão à margem da Igreja e que o Senhor quer tocar, operar milagres, devolver a fé, a esperança e construir um mundo novo. O Senhor tem um plano para cada uma delas. Não existem casos perdidos, com Deus tudo é possível! Tenho mais fé nas famílias aventureiras, que arriscam, que buscam e que querem servir o Senhor de todo o coração, mesmo sabendo que são imperfeitas, que saibam :" ‘rejeitar a autorreferencialidade’ em todas as suas formas; saber ouvir e aprender de todos, com sinceridade humilde", como o Papa Francisco fala, do que aquelas que muitas vezes caminharam sempre certinhas, e até têm um lugar certo na Igreja. Precisamos de famílias que queiram amar o Senhor de todo o coração e isso basta! Precisamos de todas as famílias, as que estão dentro da Igreja com a chama acesa pelo Senhor e as que estão fora desejando encontrar o Amor de Deus...

Estaremos nós preparados como Igreja para não julgarmos as famílias pelas aparências do seu passado, não julgando mas agindo com amor, sabendo acolhe-las e elevando-as para que sintam que também elas têm um lugar na Igreja?

Eu não sei a vossa resposta, mas sei o que o Senhor espera de mim: reunir aquelas que já perderam a fé e levá-las a sentir o Amor de Deus...


6 comentários:

  1. Sim, Rute, o momento mais belo da nossa vida é aquele em que descobrimos que toda ela pode ser absorvida no amor misericordioso de Deus! O nosso pecado não passa de uma gota de água lançada no incêndio do seu amor! As Famílias de Caná, como tu tão bem explicaste, acolhem as pessoas no ponto da caminhada em que se encontram, sem fazer perguntas. Nunca as faremos. Sabemos que Jesus Se encarregará de conduzir as famílias à santidade, se elas se deixarem, como vocês fizeram, desafiar a tanto. Um abraço muito amigo, e um grande bem-hajas pelo post. Teresa

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  2. Bem Rute, isso é que foi amor à primeira vista! :)
    Muito obrigada por partilhar connosco o vosso testemunho. Nós, cristãos, muitas vezes tentamos esconder as nossas falhas, mas é ao partilharmos as nossas fraquezas passadas que mostramos ao mundo a acção transformadora da Boa Nova nas nossas vidas! É sempre tão bom saber que o Senhor aproveita até as nossas falhas para nos aproximar cada vez mais d'Ele. Desejo que o meu testemunho, repleto de falhas, possa também um dia levar alguém a aproximar-se mais de Deus...

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  3. Deve parecer ridículo, mas quase me senti excluída, ao ler esta parte: "Tenho mais fé nas famílias [...] do que aquelas que muitas vezes caminharam sempre certinhas, e até têm um lugar certo na Igreja". O que veio a seguir descansou-me: "Precisamos de todas as famílias, as que estão dentro da Igreja com a chama acesa pelo Senhor e as que estão fora desejando encontrar o Amor de Deus...".

    O comentário da Teresa também ajudou: "O nosso pecado não passa de uma gota de água lançada no incêndio do seu amor!", embora esta parte seja um alerta: "Jesus Se encarregará de conduzir as famílias à santidade, se elas se deixarem [...] desafiar a tanto".

    Andaremos nós (eu e a minha família) a deixarmo-nos desafiar?

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  4. Querida Mimi, essa é uma pergunta que eu faço constantemente: " Estarei eu e a minha família a deixarmo-nos desafiar pela vontade de Deus em cada dia?" Muitas vezes sei que não, podia ter dado mais, muitas vezes também me sinto como aquelas que caminham direitinho e com rotina e tento não me esquecer de novo e perguntar: " Estarei eu e a minha família a deixarmo-nos desafiar...?" Fiz um voto com o Senhor de não dar peso às minhas falhas, eu sei que falho muito, mas de me alegrar com tudo... com as minhas conquistas nem que sejam pequeninas...

    Bom, na verdade, ao fazeres essa pergunta a ti própria já te estás a desafiar. Agora é só seguir e fazer aquilo que Jesus disser :-)

    Beijinhos para todos
    Rute

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    1. Obrigada por mais estas palavras!
      Beijinhos para todos também!

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  5. Obrigado Rute pelo teu post. Eu digo sempre que temos de ser inclusivos e nunca exclusivos, e tu, tão bem explicaste isso. Agradecer a Deus por todos aqueles que, nem que seja por um bocadinho, se aproximam de Deus através de nós. E não somos perfeitos. Eu e a minha família estamos a anos luz da perfeição. Todos os dias um bocadinho a fazer melhor e todos os dias a dar passos atrás. Mas temos sempre a porta do nosso coração aberta a Deus. É assim que se constrói o caminho. Obrigado Rute

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